terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Fotografia





A ausência é como uma dor que se acostuma aos poucos, uma ferida antiga que nunca cicatriza por completo. Os dias arrastam-se um após o outro, alguns vencidos pelo marasmo, outros por árduas batalhas onde jamais se vislumbra uma vitória final. O cenário do cotidiano repete como uma foto antiga sobreposta milhares de vezes, cada vez mudando um novo detalhe. As pessoas ao redor são retratos de retratos que amarelam aos poucos, alguns acinzentam depois, outros se perdem nos álbuns de memórias. Os selos antigos, as coleções de gibis, os brinquedos prediletos; tudo ficou para trás – uma página virada do livro – mas quando realmente uma linha terminou e na outra folha iniciou-se um parágrafo? Quando sumiram os velhos amigos da infância e os grandes animais de estimação? Quando os avós deixaram de estar presentes quando se corta o bolo de aniversário? Quando aconteceu a sensação mágica do primeiro beijo? Quando os sonhos foram substituídos por desejos supérfluos de ter mais? As ruas perdem as cores aos poucos, cada dia um pouco da fantasia se vai e os ombros ganham um pouco de peso. A televisão, o jornal, tudo isso reprisa notícias de ontem que reprisam histórias de dez anos atrás: o “não vale a pena ver de novo” da realidade enfadonha. Em cada esquina casais entregam-se às carícias banais sem compreender o aprecio de um abraço, em cada loja o desespero da falta vomita gritos de agonia, em cada pessoa habita uma árvore seca que já morreu. A semente da vida já morreu. Os homens são autômatos que aprenderam a doutrina do “obedeço”, a ideologia do medo – ou pior – adotaram o triste caminho da indiferença. Já não se importam mais o quanto as árvores são verdes, já não veem o quanto as maças são vermelhas. Os semi-homens estão presos em um ciclo gradual para a auto-extinção, convivendo com rostos desagradáveis que não suportam, elogiando o horrível, banalizando o poético. Hoje importa mais futebol do que literatura, a arte reflete a realidade e liberta, mas a indiferença mantem todos presos – os olhos fixos na foto antiga sobreposta por mil vezes, o coração sufocado pela necessidade de respirar liberdade. A foto é uma prisão quadro a quadro, uma história contada de um ponto de vista só, sete bilhões de histórias vistas pela mesma janela que delimita os quadros de uma foto. Pedem tanto a deus, mas não conseguem dividir nem mesmo um pouco, sob a desculpa de não ter o bastante. Insistem no D maiúsculo em uma palavra, mas esquecem as genitoras que choram a produção promíscua insincera da violência. Os homens acostumam-se com a ausência, todo dia eles perdem um pouco. Hoje perdem um pouco dos sonhos, um pouco dos dias, um pouco de tudo mais. Amanhã perdem bens que não voltam jamais, e a vida ficou para trás como uma fotografia antiga que nunca saiu do mesmo lugar.

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